segunda-feira, 8 de junho de 2015

Gestão das riquezas: o empreendedorismo de Obará Meji

A ciência econômica trata da produção, da circulação, da distribuição e do consumo de riquezas. Acumular riquezas significa acumular poder. Assim, muitos buscam por todos os meios possíveis obter riquezas.
A história da humanidade mostra diversas formas para se obter riquezas: o trabalho, o presente, o roubo, a sorte, a herança, etc. Seja lá qual for origem da riqueza, sua obtenção, sua circulação, sua distribuição, seu uso e sua conservação exigem conhecimentos, habilidades e atitudes de gestão ou administração.
Que conhecimentos, habilidades e atitudes são necessários para adquirir, conservar e até aumentar as riquezas? Que valores embasam a gestão, na perspectiva da construção de uma sociedade igualitária, respeitadora das identidades e das alteridades?
Para compreender este tema à luz da cultura afro-brasileira, faremos uma releitura de uma história sagrada do povo yorubá, que hoje vive em alguns países da África, principalmente, Nigéria, Benin e Gana. Trata-se de Obará Meji.
Dizem os nossos mais velhos (Babás e iyás) que no início de tudo, Olorum, senhor do céu, ser supremo, criou dezesseis signos (odús) para gerenciar tudo o que existe no mundo (Aiyê). Cada um desses odús recebeu um nome específico e funções próprias de gestão sobre algum aspecto do mundo. Para liderar, cuidar e orientar esses odús, Olorum designou o Oluô ou Babalaô, uma espécie de gerente geral dos odús.
Conta-se que certa vez, 15 dos 16 odús foram à casa de Oluô, afim de procurar os meios que os fizessem melhorar a sorte e fortalecer o poder de cada um. O Oluô deu uma profunda aula de gestão para eles, mas nenhum deles levou a sério as orientações do Oluô. Obará, um dos dezesseis odus, não se encontrava no grupo na ocasião em que os demais foram consultar o Oluô. Sendo ele, porém, sabedor do ocorrido, procurou saber que orientações Oluô deu para os odús, apressando-se em fazer o que o que fora indicado, ou seja, o ebó indicado. Determinado a mudar de vida, já que tinha uma vida financeira muito precária, e aumentar seu poder, Obará, com afinco, fez o máximo que pode para fazer o ebó determinado.
Naquele tempo havia um costume. Os 15 odús, de cinco em cinco dias, iam à casa de Olofin (o rei), para consulta ao jogo (oráculo). Eles nunca convidavam Obará, por ser ele muito pobre, tanto que olhavam para ele sempre com menosprezo. Em uma dessas ocasiões, jogaram até altas horas, mas o jogo mostrou-se muito obscuro, nada revelando do que o Olofin desejava saber.  Dessa forma, resolveram se retirar, deixando Olofin profundamente insatisfeito. Olofin, com desprezo, ofereceu uma abóbora a cada um deles, e eles, para não serem indelicados, levaram consigo as abóboras ofertadas por Olofin.
No caminho, porém, alguém se lembrou, apontando para a casa de Obará, de fazer ali uma parada, embora alguns fossem contra, dizendo que não adiantaria dar semelhante honra a Obará, pois ele era um homem simples, socialmente abaixo deles, que nunca influía em nada.
Mas um deles, com uma visão mais compreensiva do ser humano, atreveu-se a cumprimentar Obara Meji com estas palavras:
- Obará, bom dia!  Como vai? Será que você tem comida para mim e meus companheiros de viagem?
Obará, que era muito gentil e amável e recebia as pessoas muito bem, imediatamente respondeu que entrassem e se servissem da comida que quisessem. Dito isso, foram entrando todos, eles que já vinham com muita fome, pois estavam desde a manhã sem comer nada na casa de Olofin.
Obará solicitou à sua esposa que fosse ao mercado comprar carne para reforçar a comida que tinha em casa e, em poucas horas, todos almoçaram à vontade. Depois, Obará os convidou para que se deitassem para um repouso, pois estavam todos cansados, e o sol estava ardente. Mais tarde, eles se despediram do colega e lhe disseram: - Fica com estas abóboras para ti.  E lá se foram satisfeitos com a gentileza e a delicadeza do colega pobre e, até então, sem valia. Mais tarde, quando Obará procurou por comida, notou que nada havia sobrado. Sua esposa censurou por sua fraqueza e liberalidade, dizendo que ele tinha querido mostrar ter o que não tinha, agradando aqueles que nunca olharam para ele, e nunca ligaram nem deram importância ao colega.
Porém as palavras de Obará eram simples e decisivas. -Eu não faço mais do que ser delicado aos meus pares, estou cumprindo ordens e sei que fazendo estes obséquios, virá à nossa casa prosperidade instantânea.
Como a fome era grande, Obara resolveu comer uma das abóboras. Munido de uma faca, tentou cortar a primeira, mas notou que estava muito dura. Insistiu nessa tarefa e surpreendendo-se com a quantidade de ouro e pedras preciosas que havia dentro dela. Em seguida, abriu as outras abóboras, que também estavam cheias de riquezas.
Obará comprou tudo que precisava, palácio e até cavalos de várias cores. Daí que estava marcado o dia para todos os odús irem novamente à conferência no palácio de Olofin. Como era de costume, já muito cedo, achavam-se todos no palácio, cada um no seu posto junto a Olofin. Então, ouviram cânticos e toques de tambores. Saíram para ver o que estava acontecendo e viram Obará com uma multidão que o acompanhava fazendo a maior festa, tudo com muita alegria. De vez em quando, Obará mudava de um cavalo para outro, em sinal de nobreza.
Os invejosos começaram a tremer e esbravejar, chamando a atenção de Olofin, que indagou o que era aquilo. Foi então que lhe informaram que era Obará. Então, perguntou Olofin aos demais odús, o que tinham feito com as abóboras que presenteara a eles. Todos responderam que haviam jogado no quintal de Obará. Disse então Olofin que a sorte estava destinada a ser do rico e próspero Obará, o mais rico de todos os odús.

A história acima mostra que Obará era gentil, acolhedor, generoso e disciplinado. Uma vez de posse das informações e conhecimentos, ele parte para prática, de forma metódica, mesmo com poucos recursos. Seus esforços são recompensados e ele consegue uma transformação profunda em sua vida, tanto do ponto de vista material quanto social.

Vocabulário:

Ayé, Àiyé: Aiê. Mundo, planeta terra.
Bàbá: Babá. Pai.
Bàbáláwo: Babalaô. Pai do mistério, do segredo. Sacerdote responsável pelo jogo divinatório de Ifá (enciclopédia de todos os conhecimentos da cultura yorubá).
Ẹb: Ebó. Oferenda, sacrifício. Bọ = alimentar.
Ifá: Ifá. Sistema de consulta divinatória do povo yorubá que utiliza 16 coquinhos de palmeira, visando acessar todo o conhecimento dessa civilização.
Ọ̀bàrà. Obará. Um dos odús de ifá.
Odù. Odú. Conjunto de signos do sistema de Ifá que revela histórias em forma de poemas, que servem de instruções diante de uma consulta.
Olófin: Olofin. “Senhor da Lei”. Rei. Título utilizado também para designar o ser supremo.
Ọlọ́run. Olorun. Senhor do céu. Ser supremo.
Olúwo: Oluô. Senhor do mistério, do segredo. O mesmo que Bàbáláwo.
Ìyá: Iyá. Mãe.

Fontes:
Beniste, José. Dicionário yorubá-português. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

Beniste, José. Mitos yorubás: o outro lado do conhecimento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.

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