domingo, 29 de julho de 2012

A linguagem racista no Brasil

José Benedito de Barros

Ontem (27/07/2012) proferi palestra sobre educação para as relações etnorraciais. Isso aconteceu no evento denominado “Mulher negra e afrodescendente na família”.

O evento foi organizado pelo Departamento de Cultura Afrodescendente e da Integração Étnica – DECADIE, de Limeira-SP.

Dividi minha exposição em três partes: 1) levantamento de alguns aspectos de nossa linguagem etnorracial; 2) legislação sobre as relações raciais no Brasil; 3) Algumas pistas para mudança da realidade.

Pretendo com este texto relatar um pouco o conteúdo da palestra e, ao final, em forma de anexo, apresentar um pequeno vocabulário que compilei a respeito do tema.
Em relação à linguagem etnorracial, nós brasileiros, utilizamos expressões que expressam relações raciais marcadas por tensões que se foram acumulando ao longo da história.

Distinguimos “magia branca” de “magia negra”. Quando alguém nos deprecia dizemos que estão “denegrindo nossa imagem”. Quando conhecemos uma pessoa negra, que é “gente boa”, dizemos que ela é “negra de alma branca”. Quando a situação está ruim, dizemos que “a coisa tá preta”. Quando queremos nos referir ao futuro e não vemos boa perspectiva, dizemos que “nosso futuro será negro”. Uma mãe negra uma vez me disse: “em tenho duas filhas, uma tem cabelo ruim e outra tem cabelo bom”.

Quando queremos falar de religião dizemos que a religião do negro é a macumba (candomblé, Umbanda), sendo que macumba, nessa visão equivaleria à “magia negra”. A religião do branco (religião boa) seria o cristianismo. Como se pode perceber, nas entrelinhas, as palavras “branco” e “negro” (ou preto) tem, no contexto das relações raciais no Brasil, significados opostos, sendo que a primeira significa “bom” e “a segunda significa “ruim”.

Assim, magia boa seria a branca; magia ruim seria a negra; alma boa seria a branca; alma ruim seria a negra; sujar o nome de alguém é denegrir (enegrecer), enquanto que limpar o nome de alguém é branquear. Cabelo de branco (liso) é bom; cabelo de negro (crespo) é ruim. A linguagem etnorracial brasileira nos indica que nossas relações são marcadas pelo preconceito e pela discriminação.

Para reverter esse quadro tem-se adotadas políticas públicas em nível federal, estadual e municipal. Algumas legislações podem ser citadas: Estatuto da Igualdade Racial, Lei 10.639/2003, Lei 11.645/2008, Código Penal, Lei de Crimes Raciais (Lei 7716/89), dentre outros.

Nosso intuito aqui não é analisar com profundidade todas as políticas, mas apenas comentar alguns aspectos das mesmas. Comentarei brevemente as Leis 10.639/2003 e 11.645/2008. Essas leis modificaram a Lei 9394/96 - LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que determina que na educação e no ensino se respeite a diversidade cultural de nosso povo, principalmente dos povos europeus, afrobrasileiros e indígenas. Esse entendimento hoje é estendido aos asiáticos que chegaram ao Brasil mais recentemente. Pois bem, a duas leis tratam da educação para as relações etnorraciais e do ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena.

Como se vê temos aí uma perspectiva multicultural da educação brasileira. Embora se reconheça alguns avanços, as poucas pesquisas a respeito do tema, tem revelado grande resistência para a plena implantação dessas políticas.

Há muito que se fazer ainda. Defendo que nos empenhemos coletivamente para fazermos gestão junto aos governos e aos sistemas de ensino para que seja implantada de fato uma gestão pública que reconheça e valorize a diversidade etnorracial de nosso povo e, ao mesmo tempo, uma educação que de fato problematize a realidade do preconceito, da intolerância e da discriminação que permeia a realidade educativa brasileira, seja ela na escola ou fora da escola. O que se quer é uma política que reconheça, valorize e respeite, a diversidade etnorracial e cultural de nosso pais.

Anexo: pequeno vocabulário sobre relações etnorraciais

RACISMO. O racismo é a doutrina ou crença que defende a existência de raças humanas superiores e raças e raças humanas inferiores, com base nas diferenças biológicas. http://pt.wikipedia.org/wiki/Racismo

MACHISMO. Doutrina ou crença que defende que os homens são superiores às mulheres. http://pt.wikipedia.org/wiki/Machismo

FEMINISMO: Movimento que defende a igualdade entre homens e mulheres. http://pt.wikipedia.org/wiki/Machismo

PRECONCEITO. O preconceito é um juízo sobre pessoas e coisas sem fundação científica. Espécies: preconceito de raça, de cor, de religião, de procedência regional ou nacional, de gênero, de orientação sexual. http://www.mundoeducacao.com.br/sociologia/preconceito.htm

ESTEREÓTIPO. Estereótipos são generalizações que as pessoas fazem sobre comportamentos ou características de outros, e é um termo de origem grega. Estereótipo significa impressão sólida, e pode ser sobre a aparência, roupas, comportamento, cultura e etc. Ex.: Brasil, país do futebol; Negro, pagodeiro; Rico, educado; Pobre, grosseiro. http://www.significados.com.br/estereotipo/

SEGREGAÇÃO. A segregação é a separação ou distanciamento físico ou social. http://www.dicio.com.br/segregacao/

DISCRIMINAÇÃO. Ato ou efeito de discriminar. Discriminar: fazer distinção entre coisas ou pessoas. http://pt.wikipedia.org/wiki/Discrimina%C3%A7%C3%A3o

CRIME DE RACISMO. O crime de Racismo será aplicado quando as ofensas não tenham uma pessoa ou pessoas determinadas, e sim venham a menosprezar determinada raça, cor, etnia, religião ou origem, agredindo um número indeterminado de pessoas. Ex.: negar emprego a judeus numa determinada empresa, impedir acesso de índios a determinado estabelecimento, impedir entrada de negros em um shopping, etc. LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Penas: reclusão de 1 a 5 anos.
(...)

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97) Pena: reclusão de um a três anos e multa. http://blog.tribunadonorte.com.br/cenajuridica/racismo-ou-injuria-racial-quais-as-diferencas/769 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7716.htm

INJÚRIA RACIAL. Há a injúria racial quando as ofensas de conteúdo discriminatório são empregadas a pessoa ou pessoas determinadas. . Ex.: negro fedorento, judeu safado, baiano vagabundo, alemão azedo, etc. Tal crime está disposto no artigo 140, § 3º do CP. Injúria (Código Penal)

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. (...) § 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003) Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997) http://blog.tribunadonorte.com.br/cenajuridica/racismo-ou-injuria-racial-quais-as-diferencas/769 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm

*José Benedito de Barros, Mestre em Educação (Unesp); Bacharel e Especialista em Direito; Licenciado em Filosofia; Professore de Línguas e Culturas Africanas; Advogado; Membro do Instituto Educacional Ginga (IEG), da Associação dos Conselheiros Espirituais de Limeira (ACEL) e do COMICIN – Conselho Municipal dos Interesses do Cidadão Negro. Email: jbenebarros@yahoo.com.br – Blog.: www.profjosebenedito.blogspot.com Facebook: www.facebook.com.br/olukojosebenedito - Twitter: @JOBENEDITO